As guerras de
Francisco I contra Carlos V (1524-1548) como justificativa para o
estabelecimento de relações do Ocidente com os otomanos
Introdução
As guerras de
Francisco I contra Carlos V ocorrem dentro do contexto de formação da noção de
Estado como temos hoje, ou seja, instituição de razão própria raison d’état.
Assim, pela manutenção do Estado justificam-se quaisquer meios a serem
empregados para desenvolvê-lo; o interesse estatal suplantava a ideia medieval
de uma moralidade universal.
Francisco I
buscou a soberania sobre diversos territórios ocupados por Carlos I e nesta
disputa Francisco buscou aliar-se aos otomanos por interesse momentâneo e
estratégico independente dos demais interesses europeus.
Desenvolvimento
A primeira
série de guerras ocorreu na Itália, cujas ricas e vulneráveis cidades-estados
vinham tentando os monarcas franceses a invadi-las desde 1494, o que provocou
várias coalizões de potências rivais para forçar os franceses a se retirarem.
Em 1519, Espanha e França ainda brigavam sobre as pretensões da última a Milão,
quando chegou a notícia da eleição de Carlos V para o Sacro Imperador Romano, e
ter ele herdado os territórios espanhóis a austríacos da família Habsburgo. Essa
acumulação de títulos pelo arquirrival levou o ambicioso rei da França,
Francisco I (1515-1547), a instigar toda uma série de contramanobras, não
apenas na própria Itália, mas também ao longo das fronteiras da Borgonha, o sul
da Holanda e na Espanha. O ataque de Francisco I à Itália terminou com a
derrota e seu aprisionamento na Batalha de Pávia (1525), mas dentro de mais
quatro anos, após o resgate e o retorno para a França, o monarca francês estava
novamente invadindo a Itália à frente de seu exército, e foi outra vez contido
pelas forças habsburguianas. Embora Francisco voltasse a renunciar às suas
pretensões sobre a Itália com o Tratado de Cambrai de 1529, ele entra em guerra
com Carlos V, por essas possessões, nas décadas de 1530 e 1540.
Carlos V
procurou consolidar um Império Habsburgo contra a oposição do rei francês
Francisco I. De certa forma, pode-se dizer que o Estado principesco teve origem
na rivalidade entre a dinastia habsburga e a Angevinos/Valpis, da França, visto
que a invasão da Itália, em 1494, tivera por objetivo fazer valer, contra as
reivindicações de Aragão, os direitos franceses ao trono de Nápoles – aos quais
mais tarde viria somar-se a afirmação de mais um ao ducado de Milão, contra Sforzas
e seus patronos imperiais. Contudo, a oposição às reivindicações francesas,
unificou-se e foi profundamente reforçada, pela consolidação, em um único
herdeiro habsburgo (Carlos V), de um assombro legado dinástico. Dali por
diante, os modestos estados principescos da península italiana deixaram de ser protagonistas.
Quando Carlos
foi coroado imperador, em 1519, havia herdado não somente as vastas
propriedades dinásticas de seus avós, Fernando de Aragão e Maximiliano, mas
também suas disputas dos tronos de Nápoles e Milão, respectivamente, além de
uma terceira controvérsia quanto à coroa de Navarra por parte de uma das avós,
Isabel, e uma quarta contenta dinástica, da outra avó, com relação a terras
perdidas pelo pai desta, o duque de Borgonha, para a França. Em todas essas
polêmicas, o antagonista era o candidato que perdera a disputa pelo império e
se tornara rei da França:: Francisco I.
É relevante o
fato de que nem Carlos nem Francisco conseguirem atingir seus objetivos
estratégicos, de modo que, no fim desse período (em meados do século XVI), era evidente
que um domínio que aglomerasse Estados principescos de toda a Europa não teria
condições de adquirir controle suficiente de seus recursos internos para manter
exércitos permanentes capazes de empenhar-se nas prolongadas campanhas
necessárias para impor as reivindicações dinásticas, com frequência remotas em
termos geográficos e politicamente pesadas.
Tendo em
vista o desequilíbrio de forças entre a França e os territórios Habsburgos na
época, provavelmente não era muito difícil a Carlos V continuar bloqueando as
tentativas francesas de expansão. A tarefa tornou-se, porém, mais árdua porque,
como Sacro Imperador Romano, ele tinha herdado muitos outros inimigos. Dentre
esses, um dos mais favoráveis eram os turcos, que não só se tinham expandido
pela planície húngara na década de 1520 (e sitiavam Viena em 1529), como também
constituíam uma ameaça naval à Itália e, em conjunto com os corsários da Barbaria,
da África do Norte, ameaçavam ainda o litoral da própria Espanha. O que também
agravou essa situação foi a aliança tática e ímpia existente nessas décadas
entre o sultão otomano e Francisco I: contra os Habsburgos, em 1542, as armadas
francesa e otomana combinaram-se num ataque a Nice.
A política
externa de Francisco I, baseada na oposição à Espanha na aliança com os
otomanos, revelou-se improdutiva. À medida que a stasis entre católicos
e huguenotes crescentemente abalava o poder do Estado, seu filho Henrique II,
por sua vez, via a estrutura hegemônica Habsburgo com menos perigosa para ele e
para seu reino do que a desintegração da autoridade real dentro da França.
Henrique, portanto, passou a favorecer uma aliança com os Habsburgos, de modo
que os dois grandes governantes da cristandade pudessem lidar com o
protestantismo e manter a ordem na Europa.
O desenvolvimento
da cristandade latina num sistema de Estados foi complicado pela expansão, na
Europa Oriental e no Mediterrâneo de uma grande potência não cristã,
tecnologicamente aliada e militarmente bem-sucedida, o Império Otomano,
muçulmano. Os otomanos consideram os Habsburgos como o principal obstáculo a
sua expansão para o oeste. O exército de Suileiman, o Magnífico, chegou às
portas de Viena em 1529. A partir de então, os franceses, sob Francisco I,
tomaram a iniciativa de organizar cooperação com os otomanos contra a intenção
Habsburga de predomínio geral e inatacável na Europa. O acordo franco-otomano
de 1536 não teve a forma de uma aliança entre iguais, mas sim a de uma
regulação unilateral, por parte do Sultão, das relações com França; no entanto,
aquele acordo forneceu a base para colaboração política e militar, e foi assim
entendido em toda a Europa. Por intermédio de contatos franceses com príncipes
protestantes que se opunham aos Habsburgos, os otomanos desenvolveram uma
política geral de incentivar a desordem na Europa cristã e de enfraquecer seus
inimigos Habsburgos oferecendo cooperação política e militar, bem como atrativos
econômicos a Estados antihegemônicos e a movimentos rebeldes dentro daqueles
Estados. Em grande medida, os otomanos atingiram seus objetivos diplomáticos na
Europa no século XVI, e o desenvolvimento do sistema de Estados atendeu bem a
seus interesses. A união efetiva da Europa cristã sob a liderança Habsburgo foi
evitada, e a área moveu-se crescentemente na direção de independência múltiplas
que lutavam entre si.
Francisco I
da França, unindo-se ao papa Clemente VII e a vários príncipes italianos,
formou a liga de Cognac (1526) para limitar o poder de Carlos V, ocupado em
combater os muros que tomaram Roma e prenderam o papa. Carlos V, católico
fervoroso, não podia admitir uma afronta ao sumo pontífice e libertou-o. Pelo tratado
de Cambrai (1529), Francisco I cedeu-lhe Nápoles e Milão em troca da Borgonha. O
imperador reconciliou-se com Clemente VII, que terminou por coroá-lo em
Borgonha (1530).
Considerações
Finais
Francisco I
da França para fazer frente ao seu rival Carlo V da Espanha fez uma aliança
tática com os otomanos que impossibilitou uma hegemonia absoluta da família
Habsburgo. Essa aliança é mais um exemplo em que os interesses estratégicos muitas
vezes estão acima de outros interesses como os religiosos. Com essa aliança
Francisco I não atingiu plenamente seus objetivos, seu rival Carlo V também
não. Assim, a hegemonia Habsburga dificultada.
As guerras
entre Carlos e Francisco acabaram por debilitar os Estados principescos da
Itália e deram, portanto, espaço para o surgimento do Estado régio.
Referências
BOBBITT, Philip. A guerra e a
paz na História Moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na
formação das naçãoes. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
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