ARRIGHI, Giovanni. As três
hegemonias do capitalismo histórico. In. GILL, Stephen (org.) Gramsci, materialismo histórico e relações
internacionais. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007.
O declínio dos Estados Unidos como potência inspirou
os estudos sobre ascensão e declínio de hegemonias. A maioria desses estudos baseia-se no
conceito de inovação e liderança. O
conceito gramsciano de hegemonia pode contar a história da ascensão e queda de
uma potência mundial. Segundo Gramsci, hegemonia é entendida como poder de um
Estado de exercer funções governamentais sobre um sistema de Estados soberanos,
não se trata de domínio e sim de exercício de liderança. Nesse contexto há uma
combinação entre consentimento e coerção.
As hegemonias mundiais são produtos do moderno sistema
interestados surgido com o fim do sistema de governo medieval europeu. Tanto o sistema de governo medieval como o
moderno são anárquicos, ou seja, são segmentados.
As relações no sistema medieval eram baseadas nas
relações senhor/vassalo. O sistema moderno, por sua vez, institucionaliza a
autoridade pública de domínios jurisdicionais mutuamente exclusivos. Essa
evolução se deu associada ao desenvolvimento global do capitalismo como forma
de acumulação. Com o desenvolvimento do
capitalismo, estados e empresas se segmentam para competir pelo capital. Esse processo se desenvolve dentro de duas
lógicas a capitalista e a territorialista.
Para os territorialistas o poder é expresso pelo número de habitantes de
seus domínios e a riqueza vista como subproduto dessa expansão. Já os capitalistas vêem o poder como extensão
de seu controle sobre recursos e as aquisições territoriais como
subproduto. Da dialética entre essas
duas lógicas é que nasce o moderno sistema interestados.
As cidades-estados da Itália tinham as características
do moderno sistema interestados: sistema capitalista da guerra e de construção
do Estado; o funcionamento do “equilíbrio de poder”; transformar as relações
salário-trabalho em “indústria de produção de proteção”, isto é, realização da
guerra e construção do Estado; e os governantes assumirem a liderança no
sentido de construir redes de diplomacia residencial. Essas características
criaram uma extraordinária concentração de riqueza e poder nas mãos das oligarquias
que governavam as cidades-Estado do norte da Itália.
Estados territorialistas investem em guerra para
conquista territorial como meio de obter riquezas e poder. A luta territorial
fortaleceu os Estados embora as conquistas territoriais sejam improváveis. A
luta pelo poder na Europa gerou técnicas sofisticada de construção do Estado e
realização da guerra para subjugar Estados e povos não-europeus, como
conseqüência houve intensificação do conflito social e a desintegração das
redes transeuropeias de comércio. A Espanha, que no séc. XVI tinha poder dentro
e fora da Europa, aliada a casa de Habsburgos não conseguiram deter o caos que
criou as condições para o surgimento da hegemonia holandesa e o termino do
sistema medieval.
As Províncias Unidas lideraram o processo de liquidação
do poder medieval em coalizão com Estados dinásticos. Com o avanço do caos da
Guerra dos Trinta Dias a Holanda consegue cada vez mais aliados para sua
proposta de um novo sistema de poder até que a Espanha fica isolada. Com a paz
de Westfália em 1648, nasceu um novo sistema de poder. O propósito do sistema
de Westfália era de que os estados formassem um sistema de político mundial
baseado no direito internacional e no equilíbrio de poder, além disso, tinha
propósito social de tolerância religiosa e restauração da liberdade de
comercio. A reorganização do espaço político de acordo com os interesses da
acumulação de capital marca o início do sistema interestados e o capitalismo
como sistema mundial. A riqueza e o poder da Holanda baseavam-se em redes
comercias e financeiras formadas pelos impérios coloniais além-mar.
A mudança do sistema mundial se deu com a Holanda no
séc. XVII e não com Veneza no séc. XV por diversas razões: a oligarquia
holandesa na política européia e mundial foi maior do que a de Veneza; o
conflito entre os interesses da oligarquia capitalista holandesa e os interesses
das autoridades do sistema de governo medieval foram mais determinantes do que
os conflitos com Veneza; as aptidões da oligarquia capitalista holandesa de realização
da guerra ultrapassavam de muito aquelas da oligarquia veneziana; e as possibilidades
de construção do Estado da oligarquia capitalista holandesa eram muito maiores
do que aquelas da oligarquia veneziana.
A vitória contra Holanda nos conflitos posterior a paz
de Westfália levaram a supremacia mundial da Inglaterra e França. As guerras traziam cada vez menos benefícios
o que levou o investimento para outras atividades na qual a Grã-Bretanha tinha
vantagem relativa decisiva. A nova organização político-econômica mundial teve
três componentes: colonialismo de povoamento, escravismo capitalista e
nacionalismo econômico.
A expansão ultra marina inglesa aumentava a pressão
sobre os Estados da Europa continental. Na transição para hegemonia inglesa os
súditos tinham mais autonomia.
A nova onda de rebelião tinha origem na luta anterior
pelo Atlântico. O Reino Unido tornou-se hegemônico porque liderava no início um
leque amplo de forças dinásticas. Ao
contrário das Províncias Unidas, o Reino Unido governou o sistema interestados,
organizou o sistema para comandar as novas realidades de poder. Assim, surgiu o imperialismo de livre-comércio
em três níveis de análise inter-relacionados: o sistema interestados inclui
mais Estados ao passo que o equilíbrio chegou a operar acima deles;
desintegração dos impérios coloniais do mundo ocidental acompanhada da expansão
de impérios no mundo não-ocidental; e a expansão e a suplantação do sistema
westfaliano encontraram expressão num instrumento novo de governo mundial.
No imperialismo de livre comercio as leis que operam
dentro e entre os Estados estava sujeitas à autoridade do mercado mundial.
De 1776-1848 as revoluções Americana e Industrial
aumentaram a capacidade inglesa de satisfazer a demanda por riquezas. A
internacionalização da burguesia inglesa encabeçou o movimento que reformou as
estruturas de representação do Estado britânico.
No final do Séc. XIX o Reino Unido começou a perder
controle do equilíbrio de perder na Europa e no mundo. A ascensão alemã e
norte-americana diminuiu a capacidade inglesa. Em termos territoriais os
Estados Unidos tinham mais vantagens que a Alemanha. O envolvimento alemão
levou ao seu enfraquecimento. A Primeira
Guerra Mundial fez surgir movimentos sociais contra o imperialismo de livre-comércio.
Assim, a guerra entre as grandes potências estava fadada a ter um impacto contraditório
nas relações governante-súdito. A partir da Primeira Guerra surgiram diversos
movimentos sociais, sendo o mais marcante a Revolução Soviética de 1917. Do
confronto entre a facção dominante e a facão recém-chegada culminou
desintegração completa do mercado mundial violações ao sistema
westfaliano.
Os Estados Unidos se tomaram dominantes buscando
restaurar o sistema wesfaliano e depois passaram a governar o sistema
restaurado. Com o termino da luta entre as forças conservadoras e reacionárias
culminou no aumento do poder mundial tanto dos Estados Unidos quanto da União
Soviética dando início a reconstrução do sistema interestados no sentido de
acomodar as demandas dos não-ocidentais. Depois da Segunda Guerra Mundial foi
garantido a todos os Estados o direito a autodeterminação. A hegemonia inglesa expandiu o sistema
interestados para democratização do nacionalismo e a hegemonia norte-americana
completou essa expansão ao proletarizar o nacionalismo.
O que fez as Províncias Unidas, o Reino Unido e os
Estados Unidos serem hegemônicos não foi o poder militar e econômico e sim suas
capacidades resolver problemas que geravam conflito no sistema mundial. As hegemonias mundiais têm num sistema que
elas próprias criaram expandiram e superaram. Com isso, as condições de
ascensão e declínio das hegemonias mundiais mudaram de uma hegemonia para a
seguinte em aspectos significativos. Cada Estado hegemônico posterior foi menos
capitalista que o anterior, entretanto, o sistema interestado se tornou mais
capitalista porque mais Estados passaram
a seguir a lógica capitalista.
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